quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Ilhas, praias e manguezais

Ilhas, praias e manguezais

A redução das chuvas na região Nordeste, prevista nos modelos que simulam os efeitos das mudanças climáticas globais sobre climas regionais, tem sido confirmada. Os modelos do IPCC apontam redução de até 20%, por década, do volume anual de chuvas na região. Para o Ceará foi calculada, re centemente, uma redução de 6% por década, com base na pluviosidade anual entre 1965 e 2003. Dados do volume anual de chuvas em duas estações de medição da bacia do rio Jaguaribe (figura 3), onde o projeto do INCT-TMCOcean (transporte de materiais entre continente e oceano) e a UFC mantêm programas de longo prazo para monitorar alterações desse rio e do litoral junto à sua foz, mostram essa redução. A bacia do rio Jaguaribe é a maior do semiárido, com mais de 75 mil km2, e ocupa mais da metade do território do Ceará.

Além da queda suave, mas consistente, do volume anual, os registros revelam ainda uma redução praticamente total das chuvas no auge da estação seca, o que diminui drasticamente a disponibilidade de água para as atividades humanas na bacia e sugere a necessidade da construção de barragens e açudes para acumular a água. A combinação da queda na quantidade de chuvas e da construção de barragens terá importantes efeitos na vazão da bacia do rio Jaguaribe.

A vazão dos rios do semiárido depende do volume de chuvas, mas na região os açudes são o principal controlador dessa vazão. A construção, a partir das décadas de 1970 e 1980, dos principais reservatórios da bacia permitiu regularizar a vazão desses rios ao longo de todo o ano, mas a diminuição das chuvas tem resultado em vazões cada vez mais baixas, embora constantes. A vazão na bacia do Jaguaribe é regulada hoje pela operação de 87 açudes públicos, entre eles Orós e Castanhão, ambos de grande porte, mas existem em toda essa bacia milhares de outros reservatórios.

O principal resultado da construção das barragens é a regularização da vazão dos rios, com a redução significati-va dos valores máximos de descarga fluvial típicos da estação chuvosa. O papel dominante das barragens em rios do semiárido fica claro quando se constata que apenas em 2008 e 2009, quando ocorreram chuvas muito intensas, os picos máximos de vazão do rio Jaguaribe atingiram os níveis registrados nos anos 1970 e 1980, antes da construção de grande número de açudes médios na bacia desse rio. Isso só aconteceu porque a forte concentração de chuvas, em um tempo curto, nos dois últimos anos, exigiu a abertura das comportas do açude Castanhão (o maior da região, concluído em 2006 e capaz de armazenar 6,7 bilhões de m3 de água) para evitar danos à barragem.

Apesar desses picos mais altos em 2008 e 2009, a vazão média do rio mostra redução ao longo das últimas décadas.

Em um cenário de mudanças climáticas globais que levem a uma diminuição da quantidade anual de chuvas, essa tendência deve ser muito agravada. Quais as consequências dessa mudança na vazão e quais indicadores podem ser usados para avaliar sua dimensão?

As fortes vazões na estação chuvosa retiram e transportam os sedimentos depositados durante a longa estação seca na parte inferior das bacias fluviais e em seus estuários, o que forma bancos de areia e ilhas fluviais e alarga as praias e as margens de ilhas. Um exemplo é a evolução da área de uma ilha fluvial próxima ao estuário do rio Jaguaribe nos últimos 20 anos (figura 4). O progressivo aumento da área da ilha acelerou-se nos últimos 10 anos, atingindo cerca de 25 hectares em duas décadas, como resultado direto da acumulação de sedimentos nessa porção do rio. A nova margem da ilha é rapidamente colonizada por manguezais, o que dificultará sua erosão mesmo durante eventuais períodos de elevada vazão. O aumento dos manguezais também ocorreu em outro estuário cearense, na Área de Proteção Ambiental do rio Pacoti (figura 5). Mapas colorizados a partir de imagens de satélite, de 1958 e 2004, revelam que a área total de mangues dobrou nesse período, principalmente pela colonização de ilhas formadas e praias alargadas.

Além das alterações nas descargas fluviais, que ampliam as áreas colonizáveis por manguezais, as mudanças nos  padrões de chuvas – em particular a redução na estação seca – também facilitam o crescimento desse tipo de vegetação, aumentando a extensão da intrusão, rio acima, da água do mar. Essa intrusão reduz, ou mesmo elimina, a competição entre as árvores do mangue e as plantas terrestres, que não suportam salinidade e que normalmente colonizariam agressivamente a margem dos rios, impedindo o estabelecimento de manguezais.

Ao longo da parcela mais ao norte do litoral nordestino (do Rio Grande do Norte ao Maranhão), tem corrido expansão generalizada de manguezais (ver ‘Manguezais do Nordeste e mudanças ambientais’, em CH nº 229). Mapeamento feito pelo grupo da UFC em 21 estuários dessa área, comparando mapas digitalizados de imagens de satélite obtidas entre 1990 e 2004, constatou ampliação das áreas de mangue em 11 desses estuários, com aumento de cerca de 15% na extensão total dessa vegetação. Três estuários não mostraram alterações na área de mangues, e a redução desta, em outros sete, deveu-se ao desmatamento promovido por atividades humanas, em especial a instalação de fazendas de produção do camarão, sugerindo que o aumento geral seria maior que o observado.

Os aumentos de manguezais ocorreram em estuários tanto de rios com represas e açudes quanto naqueles sem essas alterações humanas, sugerindo que a mudança climática global é o fator mais importante para essa expansão, e que os efeitos dessas mudanças são potencializados pela ação humana sobre as bacias de drenagem.

http://cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/2010/272/pdf_aberto/mudancasclimaticas272.pdf

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